16.8.06

Filho e Preconceito

Casal gay espera decisão legal para adoção - São José do Rio Preto, 13 de agosto de 2006

Carlos Chimba Roberta e Paulo estão na fila de espera: 200 pessoas na frente Débora Borges
01:15 - No documento de identidade, Roberta é homem. “Casado” há um ano e meio com Paulo Henrique Gonzalez Buzato, 38 anos, o travesti decidiu que é a hora certa de ter um filho, ou seja: adotar uma criança. Nesse Dia dos Pais, ambos entram em contagem regressiva à espera do novo integrante da família. O processo deve durar cerca de um ano. Na primeira fase, ainda dependem da aprovação do juizado da Infância e da Juventude para conseguirem um lugar na fila da doação. Cerca de 200 pessoas estão à frente deles. Quem pleiteia a vaga é Buzato, mas os dois vão deixar claro que vivem como marido e mulher. Roberta, 29 anos, pensa como mulher e, por isso, considera-se transexual. As mudanças de sexo e de nome ainda deverão ser concretizadas. O aspecto físico, no entanto, é o que menos importa sob o ponto de vista do casal. Os dois preferem enumerar as qualidades que garantiriam boa classificação entre candidatos a pais. Buzato é pensionista do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Ele tem uma lesão cerebral que dificulta parte dos movimentos dos membros, mas que não o impede de andar ou de segurar objetos. Roberta é cabelereira, atende na casa das clientes. Com total autonomia sobre a própria agenda, ambos teriam tempo de sobra para se dedicar à educação da criança. Os dois moram em uma rua tranqüila, no bairro Jardim das Oliveiras, em uma casa de dois quartos (um para o filho), sala, cozinha, banheiro e amplo quintal. Pela casa, devidamente mobiliada, estão expostas fotos do “casamento” abençoado por familiares do noivo e da “noiva”. O tempo de espera que vem pela frente servirá para o casal preparar o quarto da criança. Buzato quer ser chamado de pai. Roberta, de mãe. O que interessa para os dois é que o menino ou menina que venha a ser adotado cresça com o entendimento de que a diversidade é normal e que todas as pessoas devem ser aceitas com suas diferenças. “Criação é tudo. Vamos fazer essa criança se tornar um adulto saudável e equilibrado”, diz o futuro pai.

Adoção

O juiz da Infância e da Juventude de Rio Preto, Osni Assis Pereira, não se mostrou muito receptivo à idéia de dois homens adorarem uma criança. Em entrevista ao Diário da Região, ele disse que a prioridade é entregar a criança à uma família tradicional, “normal”- com pai homem e mãe mulher. Em segundo lugar, a uma mulher ou homem sozinhos. Somente depois viria um casal homossexual, seja feminino ou masculino. Para ele, terceira opção só seria preferível à manutenção da criança em uma instituição. Mas o risco disso acontecer seria muito pequeno. “Há mais famílias na fila do que crianças disponíveis”, finalizou.

Edvaldo Santos Theodora, de 5 anos, entre o ‘Pai Vasco’ e o ‘Pai Ju’

Casal comemora a conquista: a filha Theodora Theodora, 5 anos, está orgulhosa. Diferente dos coleguinhas da escola, em Catanduva, ela fez dois presentes para o Dia dos Pais. Um para o “Pai Vasco” e um para o “Pai Ju”. Quem conta é a professora do Jardim da Infância, Vanessa de Almeida. “Todos na classe tratam com naturalidade o fato dela ter dois pais”, revela a educadora. Vasco Pedro da Gama Filho, 34 anos, e Dorival Pereira de Carvalho Júnior, 43 anos, comemoram hoje a vitória conquistada no dia 23 de dezembro de 2005: o reconhecimento da menina como filha de Vasco e a chegada dela à casa deles. Vasco adotou Theodora sem precisar omitir da Justiça o relacionamento que mantém com Júnior há 14 anos. Agora, o casal aguarda o resultado de nova ação que pretende adicionar também o sobrenome de Júnior ao nome da menina. Além de oficializar a situação familiar que já está estabelecida, o sobrenome asseguraria os direitos futuros da menina em caso de falecimento do “Pai Ju”. Está no nome dele todos os bens do casal.

Rotina

Durante as duas horas que a reportagem do Diário da Região passou na casa dos três, foram constatadas as pequenas alegrias que Theodora, cujo nome significa “presente de Deus”, levou ao lar. Ela repete algumas expressões usadas pelo casal e surpreende os adultos com frases do tipo: “Ai, pai, como você é...” ou “Acha, Bem?” Em todas as casas alguém tem de assumir o papel de “chato”. Na de Theodora é Júnior quem tem essa missão. A cada minuto, repreende a menina por estar com o dedo na boca, sentada de perna aberta ou falando alto. Vasco ri do companheiro e “passa a mão na cabeça” da menina: “O Junior não deixa ela ser criança.” Brincadeiras à parte, ambos levam muito a sério a tarefa de educar Theodora. Nenhum dos dois cede às ameaças de pirraça da menina por ser impedida de brincar de fazer bolhas de sabão dentro da sala ou por chegar a hora de ir para a escola. Cabelereiros e colunistas sociais, Vasco e Júnior passam todo o dia juntos e precisaram adequar a vida para cuidar de Theodora: “Ela mudou toda nossa rotina. Não tínhamos hora para nada, agora fazemos todas as nossas refeições em casa mesmo e nos revesamos para cuidar dela à noite. Mas não dá o menor trabalho”, garante Júnior. Orientação Para não cometer erros na educação da menina, o casal buscou psicólogos. Foram orientados a explicar tudo o que ocorre através de historinhas. Por exemplo, Theodora sabe que Deus colocou ela na barriga de uma moça, a genitora, porque os “papais” não poderiam ter filhos. A menina já sabe também que a palavra “mãe” tropeçou em uma “pedrinha” e virou “madrinha”. Uma tia de Júnior é quem responde pelo título. Segundo o psicólogo do Grupo de Apoio ao Doente de Aids (Gada), Marcos Aurélio de Oliveira Franchetti, a opção do casal de Catanduva foi acertada. As figuras paterna e materna mudaram de sentido com o passar dos anos. Antes, a primeira remetia à moral e a segunda ao afeto. Hoje, ambas são provedoras e os avós representam o afeto. A necessidade da criança ter por perto figuras masculinas e femininas pode perfeitamente ser suprida com a presença de “madrinha” ou “padrinho”, dependendo de cada caso.

(Matéria publicada no jornal Diário de São José do Rio Preto em 13/08/2006 e postada no grupo Planos de Deus por Kátia Pontes)

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