Na primeira vez que encontrei Maria Clara, minha filha, ela já estava irremediavelmente abraçada à Yara, minha esposa. Olhei aquela menina negra de olhos espertos e não pude resistir: Criança não tem cor, tem sorriso. E o sorriso dessa menina me comoveu mais do que todos os outros.
Na noite em que foi abandonada na porta de uma igreja, recém-nascida, e recolhida pelas irmãs do grupo de adoção Tamina, na Bahia, o seu destino parecia ser igual ao de milhares de outras crianças que, diariamente, vêem o pacto de felicidade que lhes deu a vida ser rompido da maneira mais cruel.
No entanto, Maria Clara parece ter nascido predestinada. Os mais crentes diriam que o dedo de Deus deixou sua marca na menina em forma de um curioso sinal de nascença. Negra, Clara nasceu com uma manchinha branca na testa e, logo que a encontraram, as freiras batizaram-na com o mesmo nome da minha mãe. Coincidência ou deusdência? Eu acredito nas coincidências felizes, porque as infelizes a gente tem que esquecer.
Montar uma casa, escrever um livro, adotar um filho,,, Maria Clara não saiu da minha barriga, mais entrou no meu coração, diz Yara para explicar o porquê da adoção.
Na verdade, nós vimos na adoção uma forma de realização suprema do sentimento de paternidade e maternidade, pois implica uma opção muito sincera, na qual o sentimento de querer um filho é muito maior do que simplesmente ter esse filho. É difícil existir no mundo alguém com um amor maior do que o meu pela Clarinha, diz Yara.
Infelizmente, para muitas pessoas, a adoção ainda é um tabu. Há mulheres que preferem passar por um sofrido processo de inseminação artificial a aceitar uma criança que não carregue a sua herança genética. Eu não hesitei em usar a mesma polêmica das modinhas e das paródias políticas que me tornaram famoso em todo o Brasil: Não há maldade pior do que deixar uma criança abandonada. Muitas mães que fazem questão de gerar seus próprios filhos acabam criando traficantes, assassinos ou coisa pior, já o Chaplin, por exemplo, foi criado na rua e se tornou um dos maiores gênios de todos os tempos. Geralmente, o filho adotivo é sempre o melhor, porque a relação surge de uma necessidade de ambas as partes e a educação é mais atenciosa.
No Brasil, a burocracia torna o processo de adoção moroso. Todo ano, acontecem centenas de adoções efetivas, grande parte delas realizada por casais europeus que acabam dando a essas crianças uma vida de Primeiro Mundo. No meu caso, o fato de ser uma personalidade pública facilitou a adoção de Maria Clara. Logo que vimos, a levamos para casa e vivemos um período de adaptação de oito meses, exigido pela lei. Só quando a Clarinha completou um ano, nós recebemos a posse oficial. Foi o documento mais importante que eu assinei na vida. Existem várias famílias que levam uma vida modesta, mais nem por isso deixam de adotar uma criança. Eu não estou no meu melhor momento econômico, mas isso não interferiu de forma alguma na decisão de adotar a Clarinha. Quem morre rico não tem imaginação.
Após adotar Maria ouvi comentários a respeito da cor da menina. Às vezes algumas pessoas velhas me perguntam por que eu quis adotar uma criança negra. Eu costumo dizer que, em primeiro lugar, para melhorar a nossa raça branca que sempre foi ruim e em segundo porque quando Clarinha chegar à idade dessas pessoas não terá tantas rugas e celulites justamente por causa da maravilhosa cor de sua pele.
As pessoas preconceituosas são seres inferiores. Por que minha filha vai se sujeitar a conviver em um mundo inferior? Não quero transformá-la em vedetinha, mas prefiro que ela conviva com artistas e intelectuais, que são pessoas sem qualquer tipo de preconceito. A maior de todas as heranças é a cultura. Se eu puder, vou deixar um seguro-estudo para ela.
Clara gosta de comer peixe e bife de fígado, já freqüenta a escola e também faz natação. À noite, adora dormir no meio de nossa cama, ouvir histórias e canções de ninar.
Clarinha hoje enche de alegria as tardes de Itapuã quando o sol vai embora e também é companhia obrigatória em todos os meus compromissos.
JUCA CHAVES
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Há 2 anos
9 comentários:
Oi Cá,
Adorei o blog, adorei o texto e mais ainda o empenho de vcs em desmistificar a adoção !
Parabéns pela iniciativa !
Sua luta é admirável e sua força nos faz enxergar que podemos ser melhores do que somos.
Beijos prá vc e Quelzinha.
Estou na torcida por vcs, viu !
Com carinho,
Cél.
O Blog está muito atrativo.
Parabéns!
Adorei o depoimento do Juca Chaves.
Já gostava dele, agora também respeito.
Muito obrigada
Valéria
Oi Carmem, realmente uma bonita e exemplar lição de Vida...
Nosso bloguinho está de cara nova hein...ficou biíto...parabéns comadre Glaucia!!!
Beijos!!!
Lindo o texto do Juca Chaves! Parabéns a vocês, criadoras deste blog, por falar sobre adoção tardia. É um espaço que estava faltando neste mundo virtual e ten tratado a adoção tardia com outros olhos. Gostei muito dos outros textos também abordando assuntos muito importante na adoção tardia. Mais uma vez, parabéns pela iniciativa a todas. Que Deus conserve este cantinho sempre trazendo relatos e texto que nos fazer crescer e sermos pessoas mais humanas e melhores. Tenham uma ótima semana! Bjs, Míriam
Ficou dez o novo layout! Mas eu juro que não entendo porque tem gente que preferiria gastar uma fortuna pra ter um filho biológico quando é tão mais barato adotar. Essa gente não tem amor nem pelo dinheiro?
Oie amiga Cá, obrigada pela visita no bloguinho, pode deixar que vou dar o beijo na bonequinha, depois se precisar que escrevo algo sobre a minha experiencia para voces, não estou com muito tempo por isso estou meio sumida, mas precisando é so pedir. Beijao no coração e na Quequel tambem
Nooossaaa, que lindo ficou no novo lay-out!!!
Eu não gostava do Juca Chaves por um atrito que tivemos há muitos anos atrás numa empresa onde eu trabalhava, mas depois que ele adotou as meninas e saiu 'batendo de frente' para ajudar a desmistificar a adoção e, principalmente, a despreconceitualizar a adoção inter-racial e/ou tardia, passei a respeitá-lo e admirá-lo!
Esse post está muito bom! Amei!
Bjs,
Cláu
O Juca Chaves é estéril?
Não. Ele e Yara explicaram isso há muitos anos - simplesmente ambos decidiram não ter filhos biológicos. Muitos anos depois adotaram Maria Clara e Maria Morena.
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