OS MENINOS DO PORÃO: CERCA DE 1,8 MILHÃO SOFRE DO TRANSTORNO, CONFUNDIDO COM LOUCURA OU RETARDO MENTAL
Jornal: O GLOBO 16/07/2006
A vida segregada do brasileiro autista
Sem tratamento, que Estado não cobre, jovens são mantidos presos em casa sob o improvisado cuidado das mães
SÃO PAULO. Rafael, de 25 anos, finge que é passarinho, mas passou a vida trancado. André, 20 anos, reza dias inteiros e grita o tempo todo. Leandro, 29, engole esponjas de aço e cremes de cabelo. João Guilherme, 11, come compulsivamente. Eles se automutilam e agridem até suas mães. Apesar de adultos, serão sempre meninos. Eles têm autismo, transtorno que atinge até 1,8 milhão de brasileiros, segundo estimativas médicas. O GLOBO encontrou vários desses meninos reclusos em quartos vazios, fechados em porões ou amarrados. Nenhum deles recebe tratamento. Autismo ainda não é doença tratada pela rede pública de saúde no Brasil.
— Infelizmente, eles são os meninos do porão. Passam a vida escondidos, trancados. Era assim antigamente e hoje em dia também. Temos visto casos inclusive de meninos acorrentados — relata o neuropsiquiatra infantil Raymond Rosenberg, especializado em autismo.
(.....) Quando são internados como doentes mentais — que é como os governos no Brasil têm determinado quando eles entram em crise — saem mais agressivos. Também não são atendidos entre deficientes.
Internação: custo chega a R$5 mil
Muitas vezes os tratamentos incluem internações especiais. Nos locais especializados, o autismo é compreendido como um “jeito de ser” e os meninos ficam menos agressivos, ganham hábitos mais sociáveis, afirmam especialistas.
JUSTIÇA DETERMINA QUE ESTADO PAGUE TRATAMENTO
Secretário de Saúde é investigado por descumprir ordem judicial obtida pelo Ministério Público; na mesa do promotor, dezenas de casos iguais
SÃO PAULO. A decisão da Justiça é clara: todos os autistas têm o direito de ter tratamentos ou internações custeados pelo estado, até que o governo inclua o atendimento na rede pública e garanta vagas para todos eles. A decisão, embora proferida em última instância em 2005, tem sido descumprida. O caso atinge apenas o estado de São Paulo, mas pode servir de jurisprudência para os demais, segundo o Ministério Público.
Na quarta-feira passada, o promotor de Justiça José Paulo França Piva abriu inquérito sobre o descumprimento da decisão do Tribunal de Justiça. Assim, o secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, passou a ser investigado. Se o MP conseguir comprovar o descumprimento, a ação pode levar à perda do cargo e dos direitos políticos de Barata, que também poderá ter que pagar multa de cem salários-mínimos (R$35 mil), segundo Piva. A medida acontece às vésperas do Dia Mundial do Orgulho Autista, nesta terça-feira.
Sobre a mesa do promotor, no entanto, já repousam dezenas de ações de famílias que conseguiram a habilitação (com atestados e laudos médicos) para que o estado cumpra a decisão, mas continuam com seus autistas sem tratamento, ou alguns raros mantidos às custas da caridade de clínicas particulares. A secretaria não quis comentar o caso.
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